Citações extraídas da edição publicada pela Kairós Livraria e Editora Ltda, em fevereiro de 1979, com prefácio de Francisco Foot Hardman. Obra integrou a série materialismo histórico da editora.
"Para um marxista, não há dúvida de que a revolução é impossível sem uma situação revolucionária, mas nem toda situação revolucionária conduz à revolução. Quais são, de maneira geral, os indícios de uma situação revolucionária? Estamos certos de não nos enganarmos se indicarmos os três pontos que seguem: 1) impossibilidade para as classes dominantes manterem sua dominação de forma inalterada; crise da "cúpula", crise da política da classe dominante, o que cria uma fissura através da qual o descontentamento e a indignação das classes oprimidas abrem caminho. Para que a revolução estoure não basta, normalmente, que "a base não queira mais" viver como outrora, mas é necessário ainda que "a cúpula não o possa mais"; 2) agravamento, além do comum, da miséria e da angústia das classes oprimidas; 3) desenvolvimento acentuado, em virtude das razões indicadas acima, da atividade das massas, que se deixam nos períodos "pacíficos", saquear tranquilamente, mas que, em períodos agitados, são empurradas tanto pela crise no seu conjunto como pela própria cúpula, para uma ação histórica independente.
Sem essas alterações objetivas, independentes não somente da vontade desses ou daqueles grupos e partidos, mas também dessas ou daquelas classes, a revolução é, como regra geral, impossível. É o conjunto dessas alterações objetivas que constitui uma situação revolucionária. Viveu-se essa situação em 1905 na Rússia e em todas as épocas de revoluções no Ocidente; mas ela existiu também nos anos 60 do século passado na Alemanha, assim como em 1859-1861 e 1879-1880 na Rússia, embora não tenha havido revoluções em tais momentos. E por quê? Porque a revolução não surge em toda situação revolucionária, mas somente nos casos em que todas as alterações objetivas acima enumeradas vem juntar-se uma alteração subjetiva, a saber: a capacidade, no que respeita à classe revolucionária, de conduzir ações revolucionárias de massa suficientemente vigorosas para quebrar completamente (ou parcialmente) o antigo governo, que não "cairá" jamais, mesmo em época de crise, sem "ser derrubado". [páginas 27 e 28].
"Se se examina de perto as premissas teóricas dos raciocínios de Kautsky, reencontra-se a mesma concepção que, há cerca de oitenta anos, foi ridicularizada por Clausewitz: com o desencadeamento da guerra cessam as relações políticas historicamente estabelecidas entre os povos e as classes, criando-se uma situação absolutamente diferente! Há, "simplesmente", agressores e agredidos; "simplesmente" o que se faz é repelir "os inimigos da pátria"! A opressão exercida sobre várias nações, que constituem mais da metade da população do globo, pelos povos das grandes potências imperialistas, a concorrência entre as burguesias desses países para a repartição do espólio, os esforços desenvolvidos pelo capital para dividir e esmagar o movimento operário, tudo isso desapareceu, num repente, do campo visual de Plekhanov e de Kautsky, embora eles tenham, de próprio punho, antes da guerra, descrito ao longo de dezenas de anos precisamente essa "política"".
[ página 34]
""Comparar o prolongamento da política" de luta da burguesia em vias de libertação contra o feudalismo e contra o absolutismo com o "prolongamento da política" de uma burguesia caduca - quer dizer imperialista; quer dizer, que pilhou o mundo inteiro - e reacionária, que, em aliança com os feudais, esmaga o proletariado, é comparar metros com quilos. Isso se assemelha à comparação que se faria dos "representantes da burguesia", Robespierre, Garibaldi, Jeliabov, com os "representantes da burguesia", Millerand, Salandra, Goutchkov. Não se pode ser marxista sem se sentir a mais profunda estima pelos grandes revolucionários burgueses, a quem a História Universal conferiu o direito de falar em nome das "pátrias" burguesas, e que, na luta contra o sistema feudal, elevaram dezenas de milhares de homens das novas nações à vida civilizada. E não se pode ser marxista sem se desprezar solenemente a sofística de Plekhanov e de Kautsky, que falam em "defesa da pátria" a propósito do estrangulamento da Bélgica pelos imperialistas alemães ou a propósito da negociata concluída entre os imperialistas ingleses, franceses, russos e italianos para a pilhagem da Áustria e da Turquia". [página 35]
"Todas as classes opressoras têm necessidade, para salvaguardar sua dominação, de duas funções sociais: a de carrasco e a de sacerdote. O carrasco deve reprimir os protestos e a revolta dos oprimidos. O sacerdote deve consolar os oprimidos, traçar-lhe perspectivas (é particularmente cômodo fazê-lo quando não se garante que elas sejam "realizáveis"...) de abrandamento dos males e dos sacrifícios com o mantenimento da dominação de classe e, por isso mesmo, fazê-los aceitar essa dominação, desviá-los da ação revolucionária, buscar abater seu estado de espírito revolucionário e destruir sua energia revolucionária. Kaustky fez do marxismo, a teoria contra-revolucionária mais repugnante e mais estúpida, o mais sórdido dos sermões". [página 46]
"Nem na natureza, nem na sociedade, os fenômenos existem - e não podem existir - em estado "puro": é precisamente isso o que nos ensina a dialética de Marx, segundo o qual a própria noção de pureza comporta um caráter unilateral e estreito, impede o conhecimento humano de atingir plenamente o objeto, em toda sua complexidade. Não há, e não pode haver no mundo, capitalismo em estado "puro", pois este sempre está adicionado de elementos feudais, pequeno-burgureses, ou de qualquer outra coisa. É por isso que lembrar que a guerra não é "puramente" imperialista, quando os imperialistas mistificam escandalosamente as "massas populares", camuflando notoriamente seus objetivos de extorsão pura e simples, através de uma fraseologia "nacional", é ser um pedante infinitamente obtuso ou um manobrista e trapaceiro. Tudo reconduz ao fato de que Kaustsky apóia a mistificação do povo pelos imperialistas quando diz que, para as "massas populares, entre elas as massas proletárias", os problemas nacionais têm um "valor decisivo", enquanto para as classes dominantes são as "tendências imperialistas que prevalecem" (p. 273), e quando ele "corrobora" esta afirmação, através de uma referência pretensamente dialética à realidade infinitamente variada" (p. 274). Não há dúvida de que a realidade é infinitamente variada, é a mais pura verdade! Mas também não há dúvida de que no seio desta infinita variedade se desenham duas correntes fundamentais e essenciais: o conteúdo objetivo da guerra é o "prolongamento da política"do imperialismo, isto é, da pilhagem das outras nações pela burguesia declinante das "grandes potências" (e pelos governos dessas últimas); quanto à ideologia "subjetiva" dominante, são frases "nacionais"propagadas em vista de lograr as massas". [páginas 50/51]
"A regra primeira e fundamental da investigação científica, em geral, e da dialética marxista, em particular, é examinar a ligação entre a atual luta de tendências no seio do socialismo - da tendência que denuncia a altos brados a traição e soa o alarme a esse propósito e daquela que não vê a traição - e a luta que se desenrolou anteriormente durante dezenas de anos. Kautsky não diz uma palavra, sobre isso; não quer nem ao menos colocar a questão das tendências e das correntes. Até aqui as correntes existiam, agora não existem mais! Só existem agora nomes pomposos de "autoridades" dos quais fazem alarde as almas servis". [página 52]
"Os adversários de esquerda de Kautsky sabem perfeitamente que não se pode "fazer"a revolução, que as revoluções nascem da crise e das viradas históricas objetivamente amadurecidas (independentemente da vontade dos partidos e das classes); sabem que sem organização as massas vêem-se privadas de vontade comum; que a luta contra a organização militar potente, terrorista, dos Estados centralizados é uma coisa difícil e que requer muito fôlego". [páginas 54/55]
"Por social-chauvinismo entendemos o reconhecimento da ideia da defesa da pátria na guerra imperialista atual, a justificação da aliança dos socialistas com a burguesia e o governo de "seus" respectivos países nesta guerra, a recusa em preconizar e em apoiar as ações revolucionárias proletárias contra a "sua" burguesia etc. É claramente evidente que o conteúdo ideológico e político essencial do social-chauvinismo concorda inteiramente com os princípios do oportunismo. É uma mesma e única corrente. O oportunismo, no quadro da guera de 1914-1915, engendra o social-chauvinismo. O aspecto principal do oportunismo é a ideia de colaboração de classe. A guerra leva essa ideia a seu objetivo lógico, adicionando a seus fatores e estimulantes costumeiros toda uma série de fatores estimulantes excepcionais, obrigando, por meio de ameaças e de violências particulares, a massa amorfa e dividida a colaborar com a burguesia: isso aumenta naturalmente o círculo dos partidários do oportunismo e explica plenamente a passagem para esse campo de muitos radicais de ontem". [página 56]
"A regra primeira e fundamental da investigação científica, em geral, e da dialética marxista, em particular, é examinar a ligação entre a atual luta de tendências no seio do socialismo - da tendência que denuncia a altos brados a traição e soa o alarme a esse propósito e daquela que não vê a traição - e a luta que se desenrolou anteriormente durante dezenas de anos. Kautsky não diz uma palavra, sobre isso; não quer nem ao menos colocar a questão das tendências e das correntes. Até aqui as correntes existiam, agora não existem mais! Só existem agora nomes pomposos de "autoridades" dos quais fazem alarde as almas servis". [página 52]
"Os adversários de esquerda de Kautsky sabem perfeitamente que não se pode "fazer"a revolução, que as revoluções nascem da crise e das viradas históricas objetivamente amadurecidas (independentemente da vontade dos partidos e das classes); sabem que sem organização as massas vêem-se privadas de vontade comum; que a luta contra a organização militar potente, terrorista, dos Estados centralizados é uma coisa difícil e que requer muito fôlego". [páginas 54/55]
"Por social-chauvinismo entendemos o reconhecimento da ideia da defesa da pátria na guerra imperialista atual, a justificação da aliança dos socialistas com a burguesia e o governo de "seus" respectivos países nesta guerra, a recusa em preconizar e em apoiar as ações revolucionárias proletárias contra a "sua" burguesia etc. É claramente evidente que o conteúdo ideológico e político essencial do social-chauvinismo concorda inteiramente com os princípios do oportunismo. É uma mesma e única corrente. O oportunismo, no quadro da guera de 1914-1915, engendra o social-chauvinismo. O aspecto principal do oportunismo é a ideia de colaboração de classe. A guerra leva essa ideia a seu objetivo lógico, adicionando a seus fatores e estimulantes costumeiros toda uma série de fatores estimulantes excepcionais, obrigando, por meio de ameaças e de violências particulares, a massa amorfa e dividida a colaborar com a burguesia: isso aumenta naturalmente o círculo dos partidários do oportunismo e explica plenamente a passagem para esse campo de muitos radicais de ontem". [página 56]
"O oportunismo foi engendrado durante dezenas de anos pelas particularidades da época do desenvolvimento do capitalismo, quando a existência relativamente pacífica e fácil de uma camada de operários privilegiados os "aburguesava", dava-lhes as migalhas dos lucros do capital nacional, poupava-os da miséria, dos sofrimentos e desviava-os das tendências revolucionárias da massa lançada na ruína e na miséria. A guerra imperialista é o prolongamento direto e o coroamento desse estado de coisas, pois é uma guerra pelos privilégios das nações imperialistas, por uma nova repartição das colônias entre elas, por sua dominação sobre as outras nações. Salvaguardar e consolidar sua situação privilegiada de "camada superior", de pequena-burguesia ou de aristocracia (e de burocracia) da classe operária é o prolongamento natural, em tempos de guerra, das esperanças oportunistas pequeno-burguesas e da tática correspondente, é esta a base econômica do social-imperialismo de hoje". [página 57]
"Alguns exemplos para mostrar qual altamente os burgueses apreciam a importância dos privilégios nacionais, assim como os das "grandes potências", quando se trata de dividir os operários e de desviá-los do socialismo. O imperialista inglês Lucas, em sua obra: A Grande Roma e a Grã-Bretanha (Oxford, 1912), reconhece a desigualdade dos direitos dos homens de cor no Império britânico contemporâneo (p. 96-97), observa que "em nosso Império, quando os operários brancos trabalham ao lado dos operários de cor... não é como camaradas, pois o operário branco é antes de tudo o vigia... do operário de cor" (p. 98). Erwin Belger, ex-secretário da Liga do Reich contra os social-democratas, em sua brochura intitulada: A Social-Democracia após a Guerra (1915), louva a conduta dos social-democratas e declara que eles devem tornar-se um "partido puramente operário"(p. 43), um "partido operário alemão", "nacional" (p. 45), sem ideias "revolucionárias", "internacionalistas", "utópicas" (p. 44). O imperialista alemão Sartorius von Waltershausen, em sua obra sobre os investimentos de capitais no estrangeiro (1907), reprova os social-democratas alemães que menosprezam o "bem da nação" (p. 438), o qual consiste em conquistar colônias, e louva os operários ingleses por seu "realismo", por exemplo, por sua luta contra a imigração. O diplomata alemão Ruedorffer, em seu livro sobre os princípios da política mundial, sublinha esse fato universalmente conhecido de que a internacionalização do capital não elimina nem um pouco o agravamento da luta dos capitais nacionais pelo poder, pela influência, pela "maioria das ações" (p. 161), e lembra que os operários estão engajados nesta luta agravada (p. 175). O livro é datado de outubro de 1913, e o autor fala com a maior clareza que dos "interesses capitalistas"(p. 157), assim como da causa das guerras contemporâneas; declara que a questão da "tendência nacional" torna-se o pivô do socialismo (p. 176), e que os governos não têm nada a temer das manifestações internacionalistas dos social-democratas (p. 177) que se tornam, na verdade, cada vez mais nacionais (p. 103, 110, 176). O socialismo internacional vencerá se conseguir arrancar os operários da influência do nacionalismo, pois não se consegue nada com o uso exclusivo da violência, mas será derrotado se o sentimento nacional predominar (p. 178-184)". [página 57, Nota de Lênin]
"E, bem entendido, a força do hábito, a rotina de uma evolução relativamente "pacífica", os preconceitos nacionais, o medo das mulheres bruscas e a incredulidade em relação a elas, tudo isso desempenhou o papel de circunstâncias complementares que reforçaram tanto o oportunismo quanto a conciliação hipócrita e covarde com ele, conciliação que se dizia passageira, baseada em causas e motivos particulares. A guerra modificou a aparência do oportunismo, que tinha sido cultivado durante dezenas de anos; elevou-o a um grau superior, aumentou o número e a variedade de suas nuanças, multiplicou as fileiras de seus partidários, enriqueceu sua argumentação com uma infinidade de novos sofismas; fundiu, por assim dizer, uma quantidade de novos ribeirões e de córregos com a corrente principal do oportunismo, mas essa corrente principal não desapareceu; ao contrário, o social-chauvinismo é o oportunismo a tal ponto maduro, que esse abscesso burguês não pode mais continuar a subsistir, como outrora, no interior dos partidos socialistas". [página 58]
"(...) o chauvinismo e o oportunismo têm a mesma base econômica no movimento operário: a aliança das camadas superiores - pouco numerosas -, do proletariado e da pequena-burguesia, beneficiárias das migalhas que lhes são deixadas pelos privilégios do "seu"capital nacional, contra a massa dos proletários, contra a massa dos trabalhadores e dos oprimidos em geral. Em segundo lugar, o conteúdo ideológico e político das duas correntes é o mesmo. Em terceiro lugar, a antiga divisão dos socialistas, em uma corrente oportunista e outra revolucionária, que caracterizava a época da II Internacional (1889-1914), corresponde, no seu conjunto, à nova divisão entre chauvinistas e internacionalistas". [página 58]
"(...) o que deu aos oportunistas e chauvinistas uma força gigantesca foi a aliança deles com a burguesia, com os governos e com os estados-maiores. Tal fato é frequentemente esquecido, entre nós, na Rússia, onde se considera que os oportunistas formam uma parte dos partidos socialistas, que sempre houve e que sempre haverá duas alas extremas dentro desses partidos, que o essencial é evitar as atidades "extremas" etc., como disem todas as banalidades de filisteus". [página 60]
"Todo mundo está de acordo quando se trata de dizer que o oportunismo não é resultado do acaso, nem de um pecado, nem de um equívoco, nem da traição de indivíduos isolados, mas o produto social de toda uma época histórica. No entanto, nem todo mundo medita suficientemente sobre o significado dessa verdade. O oportunismo é o fruto da legalidade. Os partidos operários da época de 1889-1914 deviam utilizar a legalidade burguesa. Mas, quando a crise explodiu, era necessário passar à ação clandestina (ora, é impossível efetuar essa passagem sem grande energia e resolução, combinadas com toda uma série de artimanhas de guerra). Para impedir essa transição, basta um só Südekum, pois todo o "velho mundo", para usar a linguagem histórico-filosófica, está com ele: pois Südekum sempre entregou, e entregará sempre, à burguesia todos os planos de guerra do seu inimigo de classe, para usar a linguagem política prática". [página 62]
"É um fato que todo o Partido Social-Democrata alemão (e isso é igualmente verdadeiro para os franceses e para os outros) faz unicamente o que agrada a Südekum ou o que pode ser tolerado por Südekum. Fora isso, nada pode ser feito legalmente. Todo aquele que é honesto, verdadeiro socialista, no Partido Social Democrata alemão, é contra seus órgãos dirigentes, passando por cima de seu Cômite Central e de seu órgão central, violando a disciplina da organização, desenvolvendo uma atividade fracionista em nome de novos centros anônimos de um novo partido, assim como é anônimo, por exemplo, o chamado das "esquerdas" alemãs, publicado no Berner Tagwacht de 31 de maio último. Na verdade, vê-se crescer, afirmar-se e organizar-se um novo partido realmente operário, realmente social-democrata revolucionário, distinto do partido caduco, podre, nacional-liberal, de Legien, Südekum, Kautsky, Haase, Scheidemann e consortes". [página 62]
"É por isso que o oportunista Monitor deixou escapar, por descuido, uma verdade histórica de real significação, na revista conservadora O Anuário da Prússia, quando declarou que seria prejudicial aos oportunistas (leiam: à burguesia) a social-democracia atual evoluir para a direita, pois, então, os operários a abandonariam. Os oportunistas (e a burguesia) necessitam, exatamente, do partido atual, que reúne a ala direita e a ala esquerda e que oficialmente é representado por Kautsky, que saberá conciliar qualquer coisa com frases fluentes e absolutamente marxistas". Socialismo e espírito revolucionário em palavras para o povo, para as massas, para os operários; südekumismo de fato, isto é, união com a burguesia, no momento de qualquer crise séria". [página 63]
"(...) Kautsky justifica a traição ao socialismo, evocando as desagradáveis "consequências práticas" da tática revolucionária. Isso não é prostituir o marxismo? "Teríamos sido presos!", declarou, conforme se conta, durante uma reunião operária em Berlim, um dos deputados social-democratas que votaram pelos créditos de guerra em 4 de agosto. Coube aos operários gritar em resposta: "E daí, que mal haveria nisso?". Se não houvesse nenhum outro sinal para insuflar nas massas operárias da Alemanha e da França o estado de espírito revolucionário e a ideia de que é necessário preparar ações revolucionárias, a prisão de um deputado em virtude de um discurso corajoso teria desempenhado um papel útil, como um chamado ao agrupamento dos proletários dos diversos países para o trabalho revolucionário. Tal agrupamento não é fácil, mas, por isso mesmo, os deputados, colocados na cúpula e possuindo uma visão de conjunto da política, tinham a obrigação de tomar a iniciativa. Não somente durante a guerra, mas, incontestavelmente, também quando do agravamento da situação política - sem falar de qualquer ação revolucionária de massa -, mesmo o Governo do mais livre país burguês nunca deixará de ameaçar dissolver as organizações legais, confiscar os cofres, prender os dirigentes, com todas outras "consequências práticas" dessa ordem. Como fazer então? Valer-se disso para justificar os oportunistas, como faz Kautsky? Ora, isso seria consagrar a transformação dos partidos social-democratas em partidos operários nacional-liberais". [página 69]
"A falência da II Internacional exprimiu-se com especial clareza na traição escandalosa, pela maioria dos partidos social-democratas oficiais da Europa, de suas convicções e de suas resoluções solenes de Suttgart e de Bâle. Mas essa falência, que marca a vitória total do oportunismo, além da transformação dos partidos social-democratas em partidos operários nacional-liberais, não é senão o resultado de toda época histórica da II Internacional, do final do Século XIX ao começo do Século XX. As condições objetivas dessa época de transição - que vai do encerramento das revoluções burguesas e nacionais na Europa Ocidental ao princípio das revoluções socialistas - engendraram e alimentaram o oportunismo. Em certos países da Europa, pudemos observar, no decorrer desse período, uma cisão do movimento operários e socialista, cisão que se produziu, no seu conjunto, em função do repúdio à linha oportunista (como na Inglaterra, Itália, holanda, Bulgária, Rússia); em outros países desenvolve-se uma longa e áspera luta de tendências em torno do mesmo problema (como na Alemanha, França, Bélgica, Suécia, Suíça). A crise criada pela guerra ergueu o véu, varreu as convenções, rebentou o abscesso já de há muito tempo maduro e mostrou o oportunismo no seu verdadeiro papel de aliado da burguesia. É necessário agora que esse seja extirpado do terreno da organização e dos partidos operários. A época imperialista não pode tolerar a coexistência, num mesmo partido, de homens da vanguarda do proletariado revolucionário e da aristocracia semipequeno-burguesa da classe operária, que se regozija com migalhas de privilégios que a situação de "grande potência"confere à "sua" nação. A velha teoria que apresentava o oportunismo como uma "nuance legítima" no seio de um partido único, alheio aos "extremos", é, hoje, a pior das mistificações dos operários e o pior entrave para o movimento operário. O oportunismo aberto, que repugna a massa operária, é menos terrível e menos nocivo que essa teoria da justeza do meio-termo, que justifica a prática oportunista com uma terminologia marxista, que quer demonstrar, através de uma série de sofismas, o caráter inoportuno das ações revolucionárias etc. O representante mais destacado dessa teoria e, ao mesmo tempo, seu campeão mais autorizado da II Internacional - Kautsky - revelou-se um hipócrita de primeira ordem e um virtuoso na arte de prostituir o marxismo. O partido alemão, com seu milhão de adeptos, não possui mais nenhum social-democrata com um mínimo de honestidade, consciência e espírito revolucionário, que não se volte com indignação contra uma "autoridade" desse tipo, ardorosamente defendida pelos Südekum e pelos Scheidemann". [página 71]
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