A revolução espanhola e as tarefas dos comunistas
- 23.6.17
- By Leandro Olimpio
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"Tal situação, em que as classes proprietárias se veem obrigadas a sacrificar a monarquia para se salvar, como ocorreu na Alemanha, por exemplo, não está excluída. Mas é grande a probabilidade de que a monarquia madrilenha se mantenha, ainda que com o olho roxo, até a ditadura do proletariado.
Nem é preciso dizer que a palavra de ordem de República é também uma palavra de ordem do proletariado. No entanto, não se trata simplesmente de substituir o rei por um presidente, mas de liberar radicalmente toda a sociedade das imundícies do feudalismo. Aqui a questão agrária ocupa o primeiro plano.
As relações existentes no campo espanhol apresentam um quadro de exploração semifeudal. A miséria dos camponeses, principalmente na Andaluzia e Castilha, o jugo dos latifundiário, das autoridades e dos caciques já levou, mais de uma vez, os operários agrícolas e o campesinato pobre a manifestar abertamente sua indignação. Isso significa que é possível na Espanha, inclusive ante uma revolução, separar as relações burguesas das feudais? Não, isso só significa que, nas condições da Espanha, o capitalismo não pode explorar o campesinato, senão sob a forma semifeudal. Apontar a arma da revolução contra os restos da Idade Média é apontá-la contra as próprias raízes da dominação burguesa.
Para tirar o campesinato do particularismo local e da influência reacionária, o proletariado necessita de um claro programa revolucionário-democrático. A falta de terra e de água e a escravidão através do arrendamento colocam concretamente o problema da expropriação das grandes propriedades agrárias privadas em favor do campesinato pobre. Os tributos fiscais, a dívida pública insuportável, a rapina burocrática e as aventuras africanas colocam a questão do governo barato, que pode ser garantido, não pelos latifundiários, nem pelos banqueiros ou industriais, nem pela nobreza liberal, mas sim pelos operários.
A dominação do clero e as riquezas da Igreja determinam uma tarefa democrática: separar a Igreja do Estado e desarmá-la, entregando suas riquezas ao povo. Inclusive as camadas mais supersticiosas do campesinato sustentarão essas medidas decisivas quando se convencerem que as somas do orçamento que iam até agora para Igreja, assim como as riquezas da própria Igreja, não irão parar, depois da secularização, nos bolsos dos liberais livre-pensadores, mas sim, serão destinadas para reanimar a exausta economia camponesa". [páginas 334/335]
"É possível esperar que a revolução espanhola saltará por cima da etapa do parlamentarismo? Teoricamente, essa hipótese não está excluída. Certamente, pode-se supor que o movimento revolucionário pode alcançar, num curto intervalo de tempo, uma potência tal que não deixe às classes dominantes nem tempo, nem lugar para instaurar o parlamentarismo. No entanto, essa perspectiva é pouco provável. O proletariado espanhol, apesar de sua brilhante combatividade, ainda não possui um partido revolucionário reconhecido por ele, nem a experiência da organização soviética. Além do mais, as fileiras comunistas, pouco numerosas, não estão unidas. Não existe um programa de ação claro e admitido por todos. Enquanto isso, a questão das Cortes está colocada na ordem do dia. Nessas condições, supõe-se que a revolução estará sujeita a passar por um período de parlamentarismo.
De modo algum isso exclui a tática de boicote às Cortes fictícias de Berenguer, assim como os operários russos boicotaram com êxito a Duma de Burguinin em 1905 e conseguiram que ela fracassasse. A questão tática do boicote deve ser decidida de acordo com a correlação de forças em uma dada etapa da revolução.
Mas, inclusive se boicotam as Cortes de Berenguer, os operários avançados, em oposição a elas, deveriam lançar o chamado às Cortes Constituintes revolucionárias. Devemos desmascarar de maneira implacável o caráter charlatão do slogan de Cortes Constituintes na boca da burguesia de "esquerda", que, na realidade, não quer mais do que Cortes de conciliação, abençoadas pelo rei e por Berenguer, buscando um acordo com as velhas camarilhas dirigentes e privilegiadas. Uma verdadeira assembleia constituinte não pode ser convocada mais do que por um governo revolucionário, como resultado de um levantamento vitorioso de operários, soldados e camponeses. Podemos e devemos opor as Cortes revolucionárias às Cortes de conciliação, mas, ao nosso ver, seria um equívoco renunciar, no estágio atual, à palavra de ordem de Cortes revolucionárias.
Opor a palavra de ordem de ditadura do proletariado às tarefas e palavras de ordem da democracia revolucionária (república, revolução agrária, separação da Igreja do Estado, confisco dos bens eclesiásticos, independência nacional, Assembleia Constituinte revolucionária etc) seria o mais lamentável e estéril "doutrinarismo". Antes que possam conquistar o poder, as massas populares devem se agrupar ao redor de um partido revolucionário dirigente. A luta pela representação nas Cortes, em uma ou outra etapa da revolução, pode facilitar consideravelmente a solução dessa tarefa".
[página 337]
"Somente os pedantes veem uma contradição na associação de palavras de ordem democráticas, transitórias e puramente socialistas. Tal programa combinado, que reflete a construção contraditória da sociedade histórica, deriva-se inevitavelmente da diversidade de tarefas legadas como herança do passado. Reduzir todas as contradições e todas as tarefas a um só denominador, a ditadura do proletariado, é uma operação indispensável, porém completamente insuficiente. Inclusive, adiantando-se um pouco e supondo que a vanguarda do proletariado já tenha entendido que somente a ditadura do proletariado pode salvar a Espanha da decomposição, a tarefa preliminar - a reunião em torno da vanguarda das camadas heterogêneas do campo - coloca-se em toda sua amplitude. Opor pura e simplesmente a palavra de ordem de ditadura do proletariado às tarefas históricas que impulsionam hoje as massas rumo à insurreição significaria substituir a compreensão marxista da revolução social por uma compreensão bakunista. Neste caso, seria a melhor via para afundar a revolução.
Não é preciso dizer que as palavras de ordem democráticas não têm como objetivo uma aproximação do proletariado com a burguesia republicana. Pelo contrário, preparam o terreno para a luta vitoriosa contra a burguesia de esquerda, permitindo, a cada passo, desmascarar seu caráter antidemocrático. Quanto mais audaz, decisiva e implacável for a luta da vanguarda proletária pelas palavras de ordem democráticas, mais depressa conquistará as massas e minará os alicerces dos burgueses republicanos e dos socialistas reformistas; de um modo mais seguro, seus melhores elementos se alinharão ao nosso lado e mais rapidamente se identificará na consciência das massas a república democrática com a república operária.
Para que uma fórmula teórica corretamente concebida converta-se num fato histórico vivo, deve-se fazê-la penetrar na consciência das massas por meio de sua experiência, de suas necessidades, de suas exigências. Para isso, não se deve dispersar a atenção das massas, mas sim reduzir o programa da revolução a um número pequeno de palavras de ordem claras e simples e mudá-las segundo a dinâmica da luta. Nisso consiste a política revolucionária". [páginas 338/339]
"O desenvolvimento semiespontâneo das greves, que conduzem ao sacríficio e à derrota ou que acabam sem resultados, é uma das etapas inevitáveis da revolução: é o período do despertar das massas, de sua mobilização e de sua entrada na luta. Não é a elite dos operários que participa no movimento, mas sim toda a massa operária. Entram em greve não somente os operários das fábricas, mas também os artesãos, os motoristas, os padeiros, os operários da construção, os operários dos trabalhos de irrigação e, por fim, os operários agrícolas. Os veteranos exercitam seus músculos, os novos recrutas aprendem. Por meio dessa greves, a classe começa a se ver como tal.
No entanto, o que constitui, na etapa atual, a força do movimento, sua espontaneidade, pode se converter amanhã em sua debilidade. Admitir que o movimento pode continuar abandonado à sua própria sorte, sem programa claro, sem direção, equivaleria a admitir uma perspectiva sem esperança. Trata-se nada menos do que da conquista do poder. Sequer as greves mais impetuosas resolvem esse problema, sobretudo se estiverem dispersas. Se o proletariado não perceber, em alguns meses, no processo da luta, que suas tarefas, seus métodos, clarificaram-se e que suas fileiras se unem e se fortalecem, então inevitavelmente se iniciará a desmoralização em seu próprio seio. Amplas camadas despertadas pela primeira vez pelo movimento atual voltarão a cair na passividade. Na medida em que o solo começar a desabar sob seus pés, a vanguarda gerará um estado de espírito favorável à ação de grupos isolados e ao aventureirismo em geral. Nem o campesinato, nem as camadas pobres das cidades encontrarão nesse caso uma direção prestigiada. As esperanças suscitadas se converterão rapidamente em decepção e em exasperação". [páginas 341/342]
"Mas, ao mesmo tempo, não podemos ter ilusões quanto à sorte do anarco-sindicalismo como doutrina e método revolucionários. Pela ausência de programa revolucionário e pela incompreensão do papel do partido, o anarco-sindicalismo desarma o proletariado. Os anarquistas "negam" a política até o momento em que esta lhes pega pelo pescoço: então dão passagem à política da classe inimiga. Foi o que sucedeu em dezembro". [página 344]
"A vantagem da situação revolucionária consiste precisamente em que as massas aprendem com grande rapidez. Sua evolução provocará inevitavelmente diferenciações e rupturas não somente entre os socialistas, mas também no meio sindicalista. Acordos práticos com os sindicalistas revolucionários serão inevitáveis no curso da revolução. Cumpriremos esses acordos lealmente. Mas se deve evitar estabelecê-los sobre bases ambíguas, reticentes e errôneas. Inclusive nos dias e nas horas em que os operários comunistas estiverem lutando a lado a lado com os operários sindicalistas, não se deve suprimir as barreiras e silenciar as divergências ou atenuar nossas críticas à posição de princípio errada do aliado. Só com essa condição estará garantido um desenvolvimento favorável". [páginas 344/345]
"Para encontrar o acesso à grande estrada, o proletariado desde já tem necessidade de uma organização que se levante por cima de todas as divisões políticas, nacionais, provinciais e sindicais que existem em suas fileiras, de uma organização que corresponda ao impulso da luta revolucionária atual. Tal organização, eleita democraticamente pelos operários das fábricas, das oficinas, das minas, dos estabelecimentos comerciais, do transporte ferroviário e marítimo, pelos proletários da cidade e do campo, só pode ser o soviet.
Os epígonos causaram um dano enorme ao movimento operário mundial impregnando nas mentes o preconceito, segundo o qual os soviets não podem ser criados mais do que para as necessidades de uma insurreição armada e unicamente à véspera da insurreição. Na realidade, os soviets se criam onde o movimento revolucionário das massas operárias, inclusive quando ainda se encontra longe do estágio da insurreição armada, sente a necessidade de uma organização ampla e prestigiada, capaz de dirigir os combates econômicos e políticos que abarcam simultaneamente várias empresas e diversas profissões. Somente com essa condição, isto é, se conseguem, durante o período preparatório da revolução, enraizar-se na classe operária, os soviets serão capazes de jogar o papel dirigente no momento da luta imediata pelo poder. É certo que a palavra "soviet" tomou, depois de treze anos de existência do regime soviético, um sentido bastante distinto do que tinha em 1905 ou no início de 1917, quando os soviets se criavam, não como órgão de poder, mas somente como organizações de combate da classe operária. A palavra "junta", intimamente ligada com toda a história revolucionária espanhola, expressa de um modo insuperável esta ideia. Na Espanha, a criação de juntas operárias está na ordem do dia". [páginas 345/346]
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